Já era inicio de primavera a primeira vez que a vi.
Estava passeando pelo parque, como de costume nas tardes de sábado. Perto do obelisco a vi parada contemplando aquele pôr de sol laranja avermelhado. Diminui os passos para que pudesse em um instante observá-la melhor. Notei seus cabelos a balançar com o vento que soprava do sul e pude perceber a gentileza com que ela segurava uma flor, foi quando seu rosto virou-se para mim e um sorriso amigo me sugeria boa tarde, também sorri e continuei a caminhada.
Mais outras semanas se passaram e sempre a via no mesmo lugar e como sempre me desejando uma boa tarde com seu sorriso meigo e sincero. Sempre pensei em parar para quem sabe trocar algumas palavras, mas faltava coragem de ultrapassar uma linha imaginária, provavelmente criada pela minha timidez.
Chegou o verão e o parque ficava cada vez mais cheio, mas em contrapartida eu não a via. Cheguei a alterar os horários, mas tudo em vão. Naquele verão não pude avistá-la, pensei então que estivesse de férias e estaria curtindo seu pôr do sol em outros horizontes.
Já eram meados de outono, ventava muito e não estava com muita vontade de ir ao parque, havia chovido e uma brisa gelada soprava vinda do sul, mas tinha algo de especial no entardecer, um laranja avermelhado que chamava a atenção. Resolvi vestir um abrigo e comecei minha caminhada pelo parque.
Como de costume, subi primeiro a ladeira que chega ao extremo norte e de lá virei à direita entre os flamboyants até alcançar a trilha que vai até o lago, é uma leve descida e da para contemplar melhor o horizonte. Para minha surpresa eu a vi novamente, ao lado do obelisco, senti algo estranho, uma mescla de felicidade com surpresa e medo, mais uma vez minha timidez deixou-me limitado a troca de um sorriso. Cheguei ao lago parei para respirar olhei para o céu percebendo que o universo estaria conspirando a favor e percebi que estava deixando uma oportunidade escapar mais uma vez. Decidi voltar, corri pela trilha acima e para minha decepção ela não estava mais, olhei por todos os lados e não a vi, voltei para casa e fiquei horas lamentando uma oportunidade perdida.
Foram-se mais dois sábados até vê-la novamente e por mais que eu tenha ensaiado algumas frases foi ela quem se dirigiu a mim dizendo um sincero “como vai?” Dai tornamos amigos. Falávamos de nossos sonhos e ideais, ela contava de sua vida, do que esperava do futuro, podia ver claro em seus olhos uma energia para reconstruir um mundo. Eu falava de meu trabalho, de meus planos, de musicas, filmes... Enfim falávamos de tudo, pois, na verdade tínhamos muito em comum. Passamos a nos encontrar não só nos sábados, mas também nos domingos e feriados.
Já no inicio de Agosto eu a encontrei toda eufórica, enquanto contava a novidade lágrimas de alegria escorria pelo seu rosto. Enfim tinha sido escolhida por uma Instituição para trabalhar nos Estados Unidos como estagiária. Era a chance de concretizar uma tese e abrir as portas que tanto queria. Fiquei meio triste por ficar sem minha amiga, mas feliz por ela estar correndo atrás de seus sonhos. Aquele mês foi especial, aproveitamos cada momento, nos falávamos ao telefone todo dia e nossos finais de semana eram intensos, pois a viagem estava marcada para inicio de Setembro.
Fui me despedir no aeroporto, lá conversamos um pouco e nos olhamos muito. Antes de partir ela disse que logo seria primavera no Brasil e era a estação que mais gostava e como não poderia estar no parque me fez prometer que não deixaria de contemplar aquele pôr do sol tão especial. Foi o último dia que a vi, nunca esqueço aquele feriado de Independência do Brasil e nunca um ano me marcaria tanto como dois mil e um.
Estou novamente no parque depois de um ano que a vi pela primeira vez. Hoje parado ao lado do obelisco é inicio de primavera, o céu esta com um ton laranja avermelhado e faz exatamente dezesseis dias que a vi entrar em um avião e subir aos céus.
Talvez seja lá que ela se encontra neste momento. Hoje sei da importância deste obelisco, o porquê ele era tão especial para ela. Nos Estados Unidos provavelmente construirão um em homenagem as vitimas do atentado, aqui no Brasil ela escolheu seu próprio e é ao lado dele que trago flores aos sábados em que o céu se estampa de laranja avermelhado.
por Antonio Aparecido Barbosa